loader

De costureiros a empresários, irmãos querem construir 1º condomínio só para bolivianos em SP

Jaime Chuquimia, dono de uma empresa de financiamentos coletivos — Foto: Vinícius Mendes/BBC BrasilJaime Chuquimia, dono de uma empresa de financiamentos coletivos — Foto: Vinícius Mendes/BBC Brasil

Apesar do fluxo comum de bolivianos na região da rua Coimbra, no Brás, zona central de São Paulo, a presença de famílias inteiras diante de um único edifício durante uma tarde de agosto chamava a atenção de quem passava.

Convidadas durante a semana pela programação de uma rádio, todas esperavam a chegada de Jaime “Divino” Chuquimia, proprietário – ao lado do seu irmão, Bladimir -, de uma empresa que organiza financiamentos coletivos em um sistema conhecido na Bolívia como pasanaku, cuja sede fica no bairro.

Conforme as pessoas iam entrando, a equipe de Jaime e Bladimir terminava os preparativos em um grande auditório paralelo ao salão principal. Márcio Guelfi, do departamento de marketing, ajustava o projetor, enquanto Sandy Bell, jornalista e secretária, preenchia bandejas com brigadeiros e baldes com gelo para o champanhe.

Conforme as pessoas iam entrando, a equipe de Jaime e Bladimir terminava os preparativos em um grande auditório paralelo ao salão principal. Márcio Guelfi, do departamento de marketing, ajustava o projetor, enquanto Sandy Bell, jornalista e secretária, preenchia bandejas com brigadeiros e baldes com gelo para o champanhe.

Quando a apresentação começou, Jaime anunciou que o próximo plano da empresa seria adquirir imóveis e terrenos em Itaquaquecetuba, na região metropolitana de São Paulo, para ofertá-los aos bolivianos por meio de um pasanaku.”Se essas pessoas não confiassem no Jaime, não estariam aqui. O sistema só funciona se na ponta há uma pessoa íntegra”, diz David Lira, gestor de projetos da empresa.

O primeiro projeto, que originou todo o negócio, já está em andamento: a construção de um condomínio destinado a bolivianos em um terreno a 7 km do centro de Itaquaquecetuba.

O plano prevê a construção de 600 casas, 300 apartamentos e cem espaços comerciais – além de um supermercado e um posto de gasolina – em uma área de 131 mil metros quadrados ao lado do Itaquá Garden Shopping, a 15 minutos da estação Itaquaquecetuba da linha 12 – Safira, da CPTM.

A expectativa é que as obras comecem ainda em setembro, mas quem passa pela Estrada do Campo Limpo, que faz a ligação com a periferia da cidade da Grande São Paulo, já pode ver os tapumes ao redor do que antes era um grande campo aberto que separava os bairros de Jardim Campo Limpo e Jardim São Paulo.

Jaime conta que teve a ideia de construir um condomínio só para bolivianos em 2015, quando um banco recusou seu pedido de financiamento imobiliário inúmeras vezes.

À época, ele já era dono de uma oficina de costura e sócio de uma loja de roupas no Brás, mas ainda vivia em uma casa de aluguel porque não conseguia ser aceito pelo sistema bancário.

A ideia tomou corpo, no entanto, no começo deste ano, quando – após várias reuniões com empreiteiras – Marivaldo Pereira, dono de uma pequena construtora local, resolveu bancar o estudo de viabilidade do terreno escolhido meses antes por Jaime e Bladimir.

Quando foi aprovado, a empresa dos dois irmãos comprou a área usando o capital acumulado dos grupos ativos de pasanaku, e a empreiteira ficou com o contrato da obra.

240 famílias aderem ao projeto

Em maio, Lira fretou dezenas de ônibus que saíram do Brás levando 1.500 pessoas ao local em uma tarde de domingo.

Crianças e jovens jogavam partidas de futebol em um campo improvisado enquanto os pais e familiares circulavam pelo terreno ouvindo uma apresentação dele e de Jaime – no final do dia, 240 famílias toparam entrar no primeiro grupo de financiamento.

Elas já estão pagando mensalidades de R$ 1.000 e deverão fazê-lo até o final de 2020, quando o valor vai dobrar. A ideia é que, a partir de então, paguem pelas casas durante dez anos.

Como há menos participantes do que a projeção inicial, a previsão é de que apenas 500 casas fiquem prontas até 2020. O valor do imóvel ficará em cerca de R$ 230 mil.

“Uma das regras é que só poderá morar lá quem for boliviano”, sentencia Jaime.

Pela lei brasileira, no entanto, o desejo do empresário encontra obstáculos.

“Assim como não se pode impedir que um estrangeiro que tenha todos os requisitos legais para viver no Brasil compre um bem no nosso país, também não é legal a proibição de brasileiros em adquirir um bem no seu próprio território nacional. Do ponto de vista econômico, eu diria que não faz nem sentido, porque se diminui um mercado em potencial”, afirma o professor Rodrigo Salgado, que leciona Direito Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie.Jaime e o irmão chegaram ao Brasil para trabalhar na indústria têxtil — Foto: Vinícius Mendes/BBC Brasil

Para Salgado, a ideia de ter um condomínio fechado para bolivianos, no entanto, não é descabida. “É um processo reativo deles. Em outros momentos da história, quando o Brasil quis, os migrantes foram muito bem aceitos, como os italianos no começo do século 20, mas isso não ocorre com bolivianos agora.”

Segundo a Polícia Federal, hoje há 100 mil bolivianos vivendo no país, mas estimativas extra-oficiais indicam cifras maiores – segundo a ONG Missão Paz, há 250 mil.

No Estado de São Paulo existem alguns pontos de concentração de imigrantes bolivianos, como os bairros Brás e Pari, na capital paulista, e Guarulhos e Itaquaquecetuba – onde estima-se viverem cerca de 40 mil bolivianos.

O principal nicho dos bolivianos no Estado é o têxtil: tanto a produção quanto a comercialização de vestuário.

O ‘pasanaku’

A construção do condomínio em Itaquaquecetuba envolve um microssistema de financiamento surgido na metade dos anos 1980 na região da La Paz, na Bolívia.

Funciona assim: os membros de um “grupo de confiança” contribuem com uma quantia determinada de dinheiro por certo período até que, uma vez que todos os recursos tenham sido coletados, um deles recolhe o valor final arrecadado para si – sem poder abandonar o grupo depois.

Então, um novo fluxo volta a passar de mão em mão até que outro membro pegue o valor inteiro no mês seguinte.

Ao final de um ciclo inteiro, a ideia é cada pessoa do grupo tenha recebido de uma única vez o volume de recursos exato com que contribuiu ao longo dos meses.

A palavra pasanaku vem da união entre o verbo em espanhol pasar (“passar”, “acontecer”) e a expressão naku, adjetivo do idioma indígena quéchua para ação.

Como sistema, ele remonta à crise boliviana de 1985. Naquele ano, diante da queda do preço do estanho no mercado internacional e de uma hiperinflação, a Corporación Minera de Bolívia (Comibol), estatal de extração de minérios, demitiu quase todos os funcionários.

Comentários