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Guedes não deixa uma “herança maldita”. É o que dizem os números

No fim de novembro, cerca de um mês depois da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, recorreu a uma expressão muito utilizada pelo partido a partir de 2003, quando Lula assumiu o Palácio do Planalto pela primeira vez.

Gleisi afirmou que o presidente Jair Bolsonaro  (PL) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, deixariam uma “herança maldita” para o governo que assumirá em 1º de janeiro de 2023. A expressão, difundida por Lula e pelo PT para criticar os dois mandatos do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), antigo adversário do petismo, logo foi incorporada por parte da militância e encontrou eco em artigos de opinião publicados na imprensa.

Um olhar mais cuidadoso sobre uma série de dados econômicos, no entanto, mostra que Bolsonaro legará ao sucessor uma situação mais confortável do que pode fazer crer o palavrório dos palanques e das redes sociais. A última “herança maldita” foi deixada mesmo por Dilma Rousseff, apeada do cargo, em 2016, por ter cometido uma gigantesca fraude fiscal, popularmente conhecida pelo eufemismo de “pedaladas”, a fim de maquiar os números do seu governo.

Em 2021, após sete anos de contas deficitárias, o governo brasileiro alcançou um superávit primário de 0,75% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com dados do Banco Central (BC) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2022, a projeção é de novo superávit.

Neste ano, o gasto da União será menor em 0,5 ponto percentual do PIB do que em 2018, último ano do governo de Michel Temer. Será a primeira vez desde a redemocratização que um presidente entregará ao sucessor um gasto inferior àquele recebido do governo anterior.

“É óbvio que tudo o que foi gasto durante a pandemia gerou um problema fiscal em um primeiro momento. Mas, de 2021 para cá, temos uma clara melhora nas contas públicas”, afirma o economista e educador financeiro Luís Artur Nogueira. “Dizer que um governo que está entregando superávit fiscal vai deixar uma herança maldita é um equívoco. É discurso de quem ainda não desceu do palanque.”

Para Nogueira, falar em “herança maldita” de Bolsonaro e Guedes na economia é “injusto”. “Ao contrário, vejo muito mais legado positivo do que negativo. Quando se faz uma análise sobre a gestão econômica da equipe do Paulo Guedes, é preciso entender que tivemos um contexto completamente atípico, com uma pandemia no meio. Qualquer análise que não leve isso em consideração é enviesada”, diz ele.

Além do superávit primário e da diminuição dos gastos da União, dados como o saldo da balança comercial, a geração de empregos, as contas do governo e o crescimento do PIB corroboram a avaliação dos economistas.

PIB

O PIB brasileiro, embora tenha desacelerado do 3º trimestre (alta de 0,4% em relação ao trimestre anterior), atingiu, ao fim do período entre julho e setembro, o maior patamar da série histórica do IBGE, iniciada em 1996 (R$ 2,54 trilhões). Também ficou 4,5% acima do nível pré-pandemia, registrado no 4º trimestre de 2019.

Além disso, o resultado do PIB em 2021, revisado pelo IBGE, registra uma expansão de 5% no ano passado.

Segundo projeções do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), o governo Bolsonaro deve terminar com um crescimento médio do PIB, entre 2019 e 2022, de 1,5% – desempenho inferior à média dos governos FHC e Lula, mas superior aos resultados obtidos por Dilma Rousseff (PT).

PIB

Presidentes

Período

Crescimento médio

Fernando Henrique Cardoso

1995 a 1998

2,5%

Fernando Henrique Cardoso

1999 a 2002

2,3%

Luiz Inácio Lula da Silva

2003 a 2006

3,5%

Luiz Inácio Lula da Silva

2007 a 2010

4,6%

Dilma Rousseff

2011 a 2014

2,4%

Dilma Rousseff

JAN de 2015 a AGO de 2016

-3,4%

Michel Temer

AGO de 2016 a DEZ de 2018

1,6%

Jair Bolsonaro

2019 a 2022

1,5% (projeção)

Fonte: *Dados e projeções da economista Silvia Matos, do Ibre/FGV

“Quando você faz a média de 2019 a 2022, o segundo ano teve uma queda de 3,3% do PIB, que só não foi maior por causa do auxílio emergencial. Esse ano em que o PIB despencou vai consumir, obviamente, toda a média”, afirma Nogueira. “O ano para analisarmos de forma justa é 2022, pois ele não tem base fraca de comparação com 2020. Os números de 2020, com a forte queda do PIB, e também os de 2021, com a forte alta, devem ser observados com ressalvas.”

Apenas no biênio 2015-2016, quando o Brasil enfrentou a maior recessão econômica de sua história, o PIB despencou 7,5%. A média de crescimento da economia sob Dilma foi de 0,2%, a terceira pior em mais de 120 anos – ela só superou os ex-presidentes Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Floriano Peixoto (1891-1894). Se houve “herança maldita”, portanto, ela foi essa.

Para se ter uma ideia, em maio de 2016, quando Dilma foi afastada da Presidência, o desemprego no Brasil era de dois dígitos (11,2%).

Balança comercial e contas do governo

Em novembro, a balança comercial brasileira registrou um saldo positivo de US$ 6,675 bilhões (R$ 34,9 bilhões). O resultado representa um crescimento de 709,1% em relação ao mesmo período de 2021, em valores nominais.

Só as exportações, que somaram US$ 28,164 bilhões (R$ 147,5 bilhões), tiveram alta de mais de 30%. No acumulado de 2022, até novembro, o saldo positivo ultrapassa os US$ 52 bilhões (R$ 272,4 bilhões).

Em relação às contas do governo, de acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional, o superávit – quando as receitas superam as despesas – foi de R$ 30,8 bilhões em outubro. Em valores corrigidos pela inflação, o resultado foi o terceiro melhor para meses de outubro desde o início da série histórica, em 1997.

Inflação

Ainda um motivo de grande preocupação para a maioria dos brasileiros, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país, teve alta de 0,59% em outubro, interrompendo uma trajetória de três meses consecutivos de deflação.

A inflação nos últimos 12 meses, até outubro, foi de 6,47%. No acumulado de 2022, esse número baixa para 4,7%.

Reformas deixaram a desejar

Segundo os economistas entrevistados pelo Metrópoles, o governo que vai chegando ao fim errou em pelo menos em dois pontos cruciais: o afrouxamento da política fiscal e o avanço muito tímido na agenda de reformas.

“Um ponto negativo é como a questão fiscal foi tratada no pós-pandemia. A PEC Emergencial, a PEC dos Precatórios e a PEC Kamikaze [para ampliar gastos sociais], aprovada um pouco antes das eleições, acabaram minando a credibilidade fiscal do Brasil”, afirma Tiago Negreira.

Luís Artur Nogueira concorda que o governo tenha decepcionado na pauta reformista, mas atribui o fato à necessidade de aumento de gastos sociais durante a pandemia.

“Paulo Guedes não conseguiu implementar toda a agenda liberal dele porque, durante a pandemia, o governo teve de ser mais intervencionista. O Estado teve de injetar muito dinheiro, o que está longe do manual de uma economia liberal, mas era necessário para ajudar a população naquele momento e evitar um caos social no Brasil. Qualquer governo que estivesse lá faria o mesmo”, afirma.

Já para o economista Leonardo Siqueira, também ouvido pela reportagem, o governo Bolsonaro poderia ter ido melhor na economia, mas o resultado geral é positivo. “Houve avanços, inclusive uma reforma administrativa silenciosa: o salário dos servidores públicos ficou congelado por causa da pandemia”, cita. “O governo, sem dúvida, poderia ter avançado mais. Faltou tocar algumas reformas, como a administrativa e a tributária. Mas, definitivamente, não é uma herança maldita.”

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