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Entenda a tendência que tomou conta da internet, bonecos artesanais e realistas, que lembram bebês de verdade

Se você viveu o universo das redes sociais nas últimas semanas, deve conhecer a nova tendência dos bebês reborn — e, provavelmente, ter alguma opinião sobre eles. 

Do português “renascidos”, os reborns são bonecos artesanais e realistas, que lembram bebês de verdade. 

Produzidos com material especial para reproduzir pele e cabelo de bebês, esses bonecos se tornaram objetos colecionáveis e hobby para diversos adultos, integrantes da comunidade reborn. 

Os colecionadores limpam, vestem os bonecos, montam como se fossem crianças e até mandam foto das produções em grupos acompanhadas de mensagens de “bom dia”, além de outros comentários como “hoje coloquei uma roupa quentinha porque está frio”. 

As semelhanças dos bonecos com pessoas e os conteúdos feitos pela comunidade reborn, majoritariamente feminina, tem causado estranhamento e até mesmo ataques na internet. Alguns desses comentários questionam a sanidade mental das colecionadoras ou atribui o hobby a uma suposta impossibilidade de ter filhos. 

Elaine Alves, 37 anos, se tornou um dos símbolos dessa comunidade após repercutir na internet com relato de preconceito. Nane Reborns, como é conhecida na internet, estava no shopping quando um episódio constrangedor aconteceu. Ela passeava com a mãe e um boneco da coleção, que ela chama de Guilherme, quando foi abordada por uma desconhecida. “Ela falou ‘isso é coisa de gente que não tem o que fazer’, eu falei para ela que não, que era o meu trabalho, aí ela me chamou de maluca e saiu andando”. 

O assunto repercutiu nas redes sociais, na televisão, e virou até tema do documentário “Bebês reborn não choram”, do jornalista Chico Barney.

Nane é mãe de uma menina. Ela relata que sempre gostou de bonecas e que a vontade de colecionar não está ligada a um desejo de maternidade frustrado. 

Além de hobby, os bebês reborn são fonte de renda para ela, já que divulga o trabalho de artesãs e ganha comissões pelas vendas. Por isso, ela tem o costume de passear com eles, como foi o caso do boneco Guilherme. “Eu coloco para chamar atenção mesmo, então coloco ele virado, as pessoas passam, olham, algumas perguntam, fazem caras e bocas”, comenta. 

Para ela, a rotina de cuidados e limpeza é essencial, já que o material dos bonecos precisa de manutenção. “Não é um brinquedo para jogar numa caixa de brinquedo, é algo para você tomar cuidados, porque não é barato”, comenta.

Entretanto, algumas das colecionadoras podem ter uma relação controversa, usando o boneco com alguma finalidade terapêutica. Isso acontece também porque os bebês reborn são utilizados em terapias para lidar com o luto, principalmente para mães que perderam bebês. Elaine conta que já recebeu mensagem de mulheres que pediram recomendação para esse objetivo. 

“A minha resposta é sempre a mesma, não compre um bebê reborn depositando essa vontade de querer ser mãe em cima da boneca, porque você vai se frustrar”, conta. “Coloque na tua cabeça que vai ser um hobby, que é uma boneca que não demanda cuidado igual a um bebê de verdade, para que você possa colecionar de forma saudável, para que a sua saúde mental não seja afetada”. 

Lidar com o luto

Thais Costa, psicóloga clínica e da saúde, explica que o mundo reborn pode causar um estranhamento no início, mas é importante ponderar qual o tipo de relação da colecionadora com o boneco. 

Em relação ao luto, a especialista não recomenda o uso de bebês reborn como recurso terapêutico. “Do meu ponto de vista, eu não vejo essa uma forma muito saudável de elaborar o luto, porque você permanece dentro da fantasia e da ideia de que aquele bebê permanece vivo”, explica. “Então, em vez de você fazer todo o processo do luto, você acaba adiando.”

A profissional acredita ainda que essa dinâmica com os bebês reborn pode estar ligada à dificuldade de estabelecer relações nos dias atuais. “Quando você estabelece a relação com essa boneca, ela vai te responder sempre da maneira como você deseja, e em uma relação supostamente real, se a gente for usar esse termo, nem sempre a gente vai ter a resposta que a gente deseja”, explica. 

Artesanato

A advogada Lara Rollemberg, 50 anos, é colecionadora há mais de uma década. Para ela, o trabalho das escultoras e das cegonhas (artesãs que montam e pintam o kit esculpido) é o que mais encanta. “Desde pequena, eu nunca gostei de Barbie, eu gostava de boneca de botar no braço, de botar para dormir, boneca de bebê”, relata. 

Lara conta que, para além de arte, os bebês reborn são uma forma de lazer para ocupar a mente. Ela relata o caso uma colega comprou um boneco para a mãe, que sofre com mal de Alzheimer. “Ela perguntou: minha mãe tá muito ausente, o que você acha? Eu disse: você pode tentar, você não tem o que perder”, conta. 

“Ela passava duas horas do dia presente, agora ela passa quase seis horas presente por causa da bebê, porque ela cuida, ela limpa”, relembra a advogada. 

Para ela, a criação dos bonecos reborn também é uma maneira de praticar a inclusão, com bebês de diferentes etnias. “Tem bebês negros, com vitiligo, com Down”, comenta. “Uma vez eu tinha acabado de pegar uma bebê com Down quando uma criança viu e chorou porque era igual ela, eu vendi pelo preço que comprei para a mãe dela”. 

Questão de gênero

“Quantos homens a gente sabe que tem que coleciona carrinhos?”, questiona Lara. “Eu sou adulta, não tenho carência de nada, eu sou completa, mas eu amo boneca.” 

A professora do Departamento de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) Valeska Zanello explica que as mulheres passam por um processo de responsabilização pelos outros e por si mesmas muito cedo. “As mulheres precisam criar um afastamento daquele universo infantil para serem vistas como adultas e tratadas como adultos”, explica. “É mais aceitável (para a sociedade) que os homens resguardem uma espécie de ilha infantil na sua vida adulta, onde eles podem se refugiar”. 

Por isso, segundo a especialista, a manutenção de hobbies é desafiadora para mulheres adultas.  “No fundo, as próprias brincadeiras das que são estimuladas nas meninas, é uma espécie de adultização”, comenta sobre brincadeiras como bonecas e casinha. 

No entanto, ela afirma que tem percebido um aumento entre mulheres que colecionam algum objeto da infância. “Durante a Páscoa, uma empresa lançou o ovo da Moranguinho, que foi uma boneca que fez muito sucesso na minha adolescência, e rapidamente se esgotou no Brasil inteiro”, relembra. “E eu conversando com as vendedoras, me contaram que quem geralmente quem comprou foram mulheres aí entre 35 e 50 anos.” Para a psicóloga, a manutenção desse refúgio infantil pode ser importante para a saúde mental.

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