
O Brasil registrou, em 2024, o maior número de casos de estupro e estupro de vulnerável da história do País, segundo dados da 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados nesta quinta-feira, 24. O documento revela que o ano passado contabilizou 87.545 vítimas, número que representa mais do que o dobro de casos registrados em 2011, início da série histórica acompanhada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Dos 11 indicadores de violência sexual analisados nesta edição, sete registraram aumento nas taxas em comparação a 2023:
estupro (ambos os sexos);
estupro de vulnerável;
estupro total (que inclui o de vulnerável) –crescimento de 0,9% em relação ao ano anterior;
estupro de mulheres;
assédio sexual;
importunação sexual;
pornografia –este último com o maior crescimento (13,1%).
Beatriz Schroeder, Isabella Matosinhos, Manoela Miklos e Melissa Londres, pesquisadoras do FBSP, destacam que, apesar dos avanços nas políticas públicas e redes de proteção, os casos de violência sexual permanecem elevados, sem soluções efetivas. O enfrentamento, segundo elas, requer estratégias integradas: desde educação preventiva na infância até investigações qualificadas, agilidade processual e punição efetiva dos agressores.
Perfil das vítimas e subnotificação
O estupro é definido como a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso mediante violência ou grave ameaça. Em 2024, foram registrados 20.350 casos, o que representa um aumento de 0,8% em relação a 2023.
Já o estupro de vulnerável caracteriza-se pelos mesmos atos, mas sem a necessidade de violência ou ameaça, devido à incapacidade da vítima de consentir. As vítimas incluem menores de 14 anos ou pessoas com deficiências. Foram registrados 67.204 casos em 2024, um crescimento de 1,0% em relação a 2023.
Os dados apontam que mulheres e meninas são as principais vítimas: a taxa de estupro contra o sexo feminino é 1,8 vez superior à média nacional. Entre vítimas vulneráveis, a disparidade é ainda maior, para cada menino registrado (11 mil casos), há cinco meninas (56 mil casos). Crianças e adolescentes representam a maioria das vítimas. A faixa de 10 a 13 anos concentra 32,8% dos estupros totais e 42,1% dos estupros de vulnerável.
Embora parte das vítimas de estupro seja do sexo masculino (7,5% dos casos em 2024, chegando a 13,8% nos estupros de vulnerável), o crime permanece marcado por relações de poder, gênero e dominação, conforme apontam as pesquisadoras. Mesmo quando a vítima é masculina, o estupro reproduz lógicas de humilhação e controle sobre corpos percebidos como vulneráveis –sendo provável que esses percentuais estejam subnotificados, devido às barreiras socioculturais que dificultam a denúncia por homens.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública destaca ainda a questão da subnotificação em outros casos, já que estudos indicam que o número real de estupros no Brasil ultrapassa os registros oficiais. Muitos casos, especialmente os que envolvem crianças, adolescentes e pessoas em situação de vulnerabilidade, sequer chegam ao conhecimento das autoridades.
A subnotificação é ainda mais acentuada nos casos de tentativa de estupro. Muitas vítimas sequer identificam a agressão como crime — especialmente quando interrompida antes do contato físico–, e o sistema policial e judiciário frequentemente falham em reconhecer essas situações como violência sexual.
Em 2024, registraram-se 5.176 vítimas de tentativa de estupro no Brasil (2,9 casos por 100 mil habitantes), número 17 vezes menor que os estupros consumados. A queda de 3,9% em relação a 2023, de acordo com as pesquisadoras, demanda cautela, já que pode refletir também a dificuldade das vítimas em denunciar.
Casos por Estado em 2024
Os dados mostram disparidades nas taxas de violência sexual entre os estados brasileiros. No caso do estupro total (soma de estupro e estupro de vulnerável), 16 unidades federativas registraram índices acima da média nacional de 41,2 casos por 100 mil habitantes. Roraima apresentou a taxa mais elevada (137,0), seguido por Acre (112,5) e Rondônia (99,5). Na outra ponta, Ceará (22,0), Minas Gerais (26,5) e Paraíba (27,4) tiveram os menores índices, embora Minas Gerais tenha registrado o quarto maior volume absoluto do país (5.642 casos).
Quando analisado especificamente o estupro de vulnerável contra meninas, Roraima também lidera (191,8 casos por 100 mil mulheres), enquanto Mato Grosso apresenta o menor patamar (6,4). Em números absolutos, São Paulo, Paraná e Pará concentram 35% dos registros nacionais deste crime. A Paraíba se destacou pelo maior crescimento nas taxas, com aumento superior a 100% em relação a 2023.
No caso de tentativa de estupro, Roraima (9,2), Amapá (8,5) e Maranhão (7,2) tiveram as taxas mais altas, enquanto Minas Gerais e Ceará registraram os menores índices (1,6). O Maranhão liderou em números absolutos, com 504 casos, representando quase 10% do total nacional. São Paulo se destacou por concentrar a maior quantidade de registros em seis das sete modalidades de violência sexual analisadas.
Crimes sexuais e onde mais acontecem
Os dados de 2024 revelam que a residência continua sendo o principal cenário de violência sexual no Brasil: 65,7% dos estupros ocorreram dentro de casa, percentual que sobe para 67,9% nos casos de estupro de vulnerável.
A via pública aparece como segundo local mais comum (13,2% dos registros), com diferenças entre os tipos de crime: 20,2% dos estupros de vítimas não vulneráveis (adolescentes acima de 14 anos e adultas) ocorreram nesses espaços, contra apenas 11% nos casos de vulneráveis.
A análise por perfil das vítimas mostra padrões distintos: entre menores de 14 anos, 59,5% dos agressores eram familiares, enquanto para vítimas acima dessa idade, 26,7% dos casos foram cometidos por companheiros e 26,6% por familiares. Já os desconhecidos aparecem como autores em 21,7% dos crimes contra vítimas mais velhas, contra 16,1% nos casos com crianças.
Quanto aos demais crimes sexuais, destacam-se:
Assédio sexual: 8.353 registros (3,9/100 mil hab.), aumento de 6,7% em relação ao ano anterior;
Importunação sexual: 37.972 casos (17,9/100 mil hab.), crescimento de 4,7% em relação ao ano anterior;
Divulgação de cenas íntimas: 7.175 ocorrências (3,4/100 mil hab.), alta de 13,1% em relação ao ano anterior;
Exploração sexual: 528 registros (0,2/100 mil hab.).
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